03 janeiro 2007

OS JORNALISTAS E A POLÍTICA

César Maia

1. Uns 10 anos atrás foi publicada uma ampla pesquisa na Alemanha com jornalistas que cobrem política. Ela se prolongou por várias eleições. A pesquisa perguntava aos jornalistas suas opiniões sobre o quadro político e suas intenções de voto. Depois comparava com o resultado das eleições na mesma época. Invariavelmente a opinião dos jornalistas políticos ficava à esquerda do resultado eleitoral. Ou seja, o eleitor votava de uma forma e os jornalistas que cobrem a política, de outro e sempre pela esquerda.

2. Na pesquisa se analisava a linha editorial dos jornais em que trabalhavam. Esta correspondia aproximadamente ao voto do eleitor. Mas o noticiário político se aproximava da opinião dos jornalistas, na forma da pesquisa.

3. Os analistas se colocaram a seguinte questão. Se aos jornalistas se atribui a sensibilidade de auscultar a opinião publica, por que o noticiário não corresponde ao perfil médio do eleitor ? De outro lado, por que a média do noticiário não corresponde a opinião editorial já que ali estão os patrões ? A resposta era a mesma: os jornalistas políticos fazem suas colunas e suas análises de forma independente do leitor e do patrão. E essa resposta intrigava os pesquisadores. Uma ou outra vez se entende. Mas sempre? Como e por que essa dinâmica se mantém?

4. Uma possibilidade é que o noticiário político esteja descolado das razões de compra dos jornais, (baixa leitura), e por isso o grau de liberdade dos jornalistas políticos em relação ao leitor. E como se sustenta o descolamento da linha editorial? Para os pesquisadores é provável que o noticiário político não tenha valor comercial, (não muda a decisão de comprar o jornal), mas vale para o prestígio de marca do jornal. Com isso a cobertura política, independente e pela esquerda, serve aos interesses comerciais dos jornais, como marketing de marca, de prestígio. E como não afeta a circulação, tanto faz.

5. Para o Brasil não se tem uma linha de pesquisa desse tipo. Mas, recentemente, se publicou uma pesquisa com jornalistas seniors que trabalham em vários estados. 20 do DF, 16 de SP, 16 do RJ, 8 do RS, 7 de MG, 7 do ES, 3 de PE, num total de 80.
A MACROPLAN que contratou a pesquisa fala de "80 profissionais do mais alto nível da mídia brasileira, editores, diretores de redação, colunistas, comentaristas de renome e repórteres especiais."
A pesquisa avalia o segundo semestre de 2006, portanto coincide com o processo eleitoral.

6. Foram feitas 13 perguntas sobre o governo Lula. Em duas delas o resultado é favorável ao governo Lula. Em uma há empate. Nas demais 10 as respostas são francamente negativas. Vejamos. Vamos somar as avaliações Ruim+Muito Ruim e chamá-las de negativas -N-. Para 67% a coordenação do governo é N. Para 68% as alianças e a capacidade de negociação são N. Para 74% a ação do governo na solução de crises políticas é N. Para 54% a gestão e resultados da política externa são N. Para 94% a ação do governo no combate a violência é N. Para 88% a ação do governo na solução dos problemas agrários é N. Para 68% a ação do governo na educação e saúde é N. Para 58% a gestão da política de meio ambiente é N. Para 66% a comunicação do governo com a sociedade é N. Para 92% o relacionamento do governo com a imprensa é N. Os pontos positivos são gestão da política econômica com 83% e combate a fome e a pobreza com 85%. No caso da criação de empregos há um empate em torno dos 50%.

7. De que forma avaliar esse resultado? Na eleição Lula venceu com facilidade. O governo Lula é um governo clássico de cooptação, (ver Simon Scwhartzman), e com isso não é simples posicionar-se ideologicamente em relação a ele. Mas se pode dizer que a pesquisa Macroplan confirma a pesquisa alemã, mesmo que para uma só eleição. A opinião dos jornalistas políticos e do eleitor não combinam. Da mesma forma - e tomando como um todo os jornais desses estados, as linhas editoriais nunca foram de avaliação negativa ao governo Lula. E nesse sentido confirma a pesquisa alemã, e convergem com a opinião do eleitor. Ou seja: mesmo que não se possa traçar com nitidez uma linha ideológica, pelo menos a opinião dos jornalistas seniors não coincide nem com o leitor nem com a opinião escrita do patrão. Isso só pode ocorrer ratificando as conclusões daquela pesquisa germânica: o jornalismo político dá prestigio e reforça a marca dos jornais, mas não afeta a sua circulação. E - nesse sentido - é que reforça o interesse comercial dos jornais.
8. É certo que na Alemanha a pesquisa foi muito mais abrangente. Mas a coincidência dos resultados para uma só eleição e período no Brasil, induz a se achar que as conclusões de lá valem para cá. Aguarda-se que nossos pesquisadores abram uma linha de pesquisas assim e permitam que se tirem as conclusões relativas.

Em tempo: só se tratou de jornais e não da mídia em geral.

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