03 fevereiro 2007

TRIUNFO DA MÃE JOANA

Roberto Pompeu de Toledo

Gente fora do lugar, muitos falando ao mesmo tempo, uns sem ouvir os outros: eis a Câmara

O que mais fez falta na interminável, tediosa, tola, incongruente e inconseqüente campanha para a presidência da Câmara dos Deputados foi uma menção ao artigo de que aquela casa mais necessita – boas maneiras. Sem elas, nada feito. Não haverá esforço de moralização, reforma política ou reestruturação partidária que dêem certo. Não haverá presidente da mesa, por mais bem-intencionado, que dê jeito nos vícios que atravancam o funcionamento da Casa e lhe proporcionam tão má acolhida junto à opinião pública. Na falta de abordagem da questão por quem deveria fazê-lo, elencam-se a seguir alguns itens a ela relativos:

SENTADOS, POR FAVOR. O ambiente na Câmara é de feira. Muita gente falando ao mesmo tempo, muita gente de pé. Muita gente circulando no largo corredor que separa as cadeiras do lado direito das do lado esquerdo do plenário. Formam-se grupinhos que conversam como em porta de botequim. A maior aglomeração se constitui em torno do chamado microfone de apartes, no ponto em que o corredor central se encontra com o pé do estrado no qual se empoleira a mesa diretora. Ali, o aperto é maior do que o da grande área, antes da cobrança do escanteio, nos jogos de futebol. E, à semelhança da grande área nessas ocasiões, já houve ali agarra-agarra, empurra-empurra e até troca de sopapos, como no episódio que envolveu, não faz muito, os deputados Arlindo Chinaglia e Inocêncio Oliveira. Ora, na Câmara, como nos teatros ou nas salas de aula, o ambiente é, basicamente, de uma platéia que acompanha a apresentação de uma ou mais pessoas lá na frente. É de todo desaconselhável, no teatro ou nas escolas, que, enquanto transcorre a peça ou a aula, se forme uma aglomeração de gente de pé junto ao palco, ou à mesa do professor, ao mesmo tempo em que outros circulam pela sala. Se grande parte dos deputados, tomada pela doença do bicho-carpinteiro, não consegue ficar sentada, então que se retirem as cadeiras. Como há gente na Câmara que gosta de dançar, a adequação do recinto a esse tipo de expansão se completaria. Mas, caso se queira que os trabalhos ocorram com um mínimo de seriedade, muito se terá a ganhar se cada um se mantiver educadamente em seu lugar, só se levantando ou andando pela sala quando sua participação na sessão assim o exigir.

QUANDO UM FALA, O OUTRO FICA QUIETO. Eis um preceito que certamente todos ouviram da mãe, ou da primeira professora, mas o lugar em que é menos observado é aquele em que mais deveria sê-lo – a casa onde se fazem (ou melhor, se deveriam fazer) as leis e se discutem (ou melhor, se deveriam discutir) as questões nacionais. Difícil encontrar outro ambiente em que o desrespeito pela palavra alheia seja maior. Enquanto se manifesta o orador, uns lêem o jornal, outros cochicham, uns terceiros cochilam, uns quartos formam rodinha em que se soltam gargalhadas.

QUEIRAM DESLIGAR SEUS CELULARES. A invenção do telefone celular representou um grande avanço tecnológico e um correspondente retrocesso no terreno das boas maneiras. Há decisivas questões irresolvidas. Por exemplo: quando se caminha na rua, a falar ao celular, e cruza-se com um amigo, que fazer? Ignorá-lo? Apenas acenar e continuar andando? Fazer sinal para que o amigo espere, até terminar a conversa telefônica, para então cumprimentá-lo adequadamente? Cortar a conversa telefônica, para dar a devida atenção ao amigo? Todas as soluções parecem insatisfatórias. Uma coisa, porém, já foi definida: no teatro, no concerto, no cinema, nas conferências, nos seminários ou na sala de aula, os celulares devem ser desligados. Reina quanto a isso consenso absoluto. Já na Câmara... Na Câmara, entre todos os lugares, neste vasto mundo, os celulares encontraram o locus ideal para uma balbúrdia maior do que a de periquitos voando em bando.

RESPEITO, ESTA É A MESA DIRETORA. Na mesa se concentram a autoridade e a expectativa de boa ordem nos trabalhos. Deveria ser respeitada como a tribuna do magistrado ou o púlpito do padre. Mas como respeitá-la se ela não se respeita? Um dos mais intrigantes espetáculos oferecidos pela Câmara é o passa-passa atrás dos componentes da mesa, enquanto transcorre a sessão. Por que aquilo? Que move aquela gente que ali desfila, como intrusos infiltrados por detrás dos atores, num teatro? Outros ficam parados nas costas do presidente, na posição abstrusa e lamentável de papagaios de pirata. Outros ainda se põem a falar aos ouvidos dos membros da mesa, que nesse ínterim, se estavam fazendo algo de relevante, claro que já perderam o fio da meada. Difícil acreditar que, reinando tal confusão na direção dos trabalhos, se vá produzir algo de conseqüente. Se a Câmara é a Casa da Mãe Joana, com aquele monte de gente de pé, muitos falando ao mesmo tempo, uns não prestando atenção nos outros, a mesa é seu epicentro, o quarto da casa reservado às maiores estripulias. Do teatro do absurdo em que consiste a Câmara como um todo, a mesa é o palco onde sobe quem quiser, na hora em que bem entender.

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