02 fevereiro 2007

A ELEIÇÃO DA CÂMARA E TUDO MAIS

De Reinaldo Azevedo:

Oportunismo não é realismo; burrice não é convicção. Ou “Por que me desgarrei da manada”

Começando


Hoje, caros, quase não tem clipping, não. As informações relevantes sobre a eleição da Mesa da Câmara estão todas dadas na edição de ontem e do começo da madrugada de hoje. Os jornais amanhecem coalhados de opiniões disfarçadas de fatos. Qual é a síntese?
- PSDB deu a vitória a Arlindo Chinaglia – é puro chute!
- Líder do PSDB foi a ato pró-Chinaglia
- Serra e Aécio fecharam acordo para 1ª vice-presidência;
- PSDB vive uma crise – é mentira!
- PT mediu forças com Lula e vai pedir mais – é falso!
- Base do governo está terrivelmente dividida por causa da eleição. Não está.
Muito bem. Se não quiser ler nada disso, não continue. Sei bem que a manada segue para o outro lado. Fiquei desgarrado. Começo afirmando aos mais exaltados que olhem o número de deputados das bancadas na Câmara (há uma tabela nesta página). Ou tentamos entender o que eles dizem ou vamos começar a exigir dos políticos que façam uma política que é a negação da política. Isso não existe. A burrice está para a convicção assim como o oportunismo está para o realismo. Sejamos realistas, mas não oportunistas. Sejamos convictos, mas não burros. Vamos continuar. Vai tudo num grande texto, separado por intertítulos. Só é possível comentar no fim:

O PSDB deu a vitória a Chinaglia?
À diferença do que diz certo gigante do jornalismo, a média dos jornalistas é petista, não tucana. Ao contrário: detesta PSDB e PFL. O primeiro porque seria soberbo, e o segundo porque “de direita”. O partido enfrentou a mesma acusação quando Severino Cavalcanti se elegeu presidente da Câmara: embora o governo tivesse maioria para eleger Eduardo Greenhalgh — e, pois, se traição houve, foi no governismo —, atribuiu-se a vitória de Cavalcanti aos... tucanos!!! Agora, faz-se a mesma coisa, num contexto um pouco diverso. Vamos ver:
- O PSDB tem 64 deputados
- O PPS tem 17 deputados
- O PV tem 13 votos
Juntos, somam 94. Gustavo Fruet obteve, no primeiro turno, 98 votos. Logo, capturou 4 votos de outras legendas. ATENÇÃO: ASSIM COMO SE PRESUME QUE OS TUCANOS VOTARAM EM MASSA EM FRUET NO PRIMEIRO TURNO, TAMBÉM SE PRESUME QUE PPS E PV FIZERAM O MESMO. Fizeram? Quem garante?
Chinaglia obteve 236 votos no primeiro turno e 261 no segundo. Aldo, respectivamente, 175 e 243. Um levou 25 votos a mais; o outro, 68. A diferença entre os dois, no segundo turno, é de 18 votos. Como é uma eleição de dois pólos, então estamos falando de 10 votos. Se tirássemos esses 10 de Chinaglia, ele ficaria com 251. Perderia. Se déssemos esses mesmos 10 para Aldo, ele subiria para 253. Seria eleito. Num universo de 98, em que 64 são tucanos, desafio algum matemático a demonstrar que esses 10 votos são mesmo do PSDB. Mais: Aldo teve 175 votos no primeiro turno. Ainda que os tucanos tivessem como fechar questão e votar em massa no comunista, sem defecções, ele chegaria a 239. Continuaria a precisar dos outros. "Ah, mas há evidências do acordo". Ao próximo ponto.

Líder do PSDB foi a ato pró-Chinaglia
Antonio Carlos Pannunzio (SP), líder do PSDB, e o líder do PV foram a um encontro de lideranças do PMDB numa churrascaria, na quarta. Arlindo Chinaglia estava presente. À diferença do que se noticia, não era “um ato de apoio!” ao petista — imaginem se dois dias antes da eleição os peemedebistas precisariam jurar sua fidelidade... A coisa é tratada como se Pannunzio tivesse feito tudo escondido. Escondido? Numa churrascaria? Mas o ideal não seria, então, aparecer?
O senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que tem tentado, sem conseguir, acertar a biruta desde que pegou carona no Aerolula e defendeu um conselho de ex-presidentes, além de encontro entre FHC e Lula, estrilou: “A eleição do presidente da Câmara não é só uma questão dos deputados, interessa a todo o povo. E nós já nos posicionamos a favor de um candidato que é do nosso partido e não cabem gestos como esse do nosso líder. Eu vou falar com o Tasso. Isso derruba o Fruet”. Como se sabe, não derrubou coisa nenhuma. O senador poderia era ter trabalhado com mais afinco para eleger Agripino no Senado. Se falar com Tasso, poderia lhe cobrar se ele ainda pode votar em Ciro Gomes em 2010, conforme anunciou no programa Roda Viva. A Terceira Via surgiu sem que essa gente toda tenha dado um pio.

Serra e Aécio fecharam acordo para 1ª vice-presidência
Meu candidato era o da Tarceira Via — e, pois, era Gustavo Fruet. Em Dois Córregos, gente muito mole, a gente chama de “nhonha”. Eu não gosto de gente nhonha. Posso achar Arlindo Chinaglia um desastre, mas não achava Aldo Rebelo assim tão melhor. Calma lá. O deputado Paulo Renato (PSDB-SP), por exemplo, reclamou de o PSDB ter liberado a bancada no segundo turno: o que ele esperava? Que se fechasse questão, em voto secreto, em favor de Aldo? O comunista do Brasil, com um histórico de submissão a Lula, virou agora líder da oposição? Eu até teria votado nele — qualquer coisa menos PT. Mas não dá para condenar Chinaglia por ter deixado, digamos, reservada a 1º vice-presidência para os tucanos. Essa decisão foi tomada há três dias. Qual foi a reação de Aldo? Quer dizer que agora cabia a José Serra e a Aécio Neves garantir a vitória do candidato de Lula? Tenham paciência! Aldo deu uma de "nhonho".
PFL – Uma coisa me intriga nisso tudo. O PFL tem 62 deputados. Tivesse votado com Fruet no primeiro turno, a Terceira Via teria, em princípio, obtido 160 votos, e Aldo, 113. O tucano é que teria ido ao segundo turno. Com a devida vênia, esdrúxulo mesmo é que um candidato comunista, ligado a Lula, tivesse como principal sustentáculo um partido que se quer liberal.

PSDB vive uma crise – é mentira!
Crise no PSDB? Qual? No dia em que José Serra e Aécio Neves chegam quase a trocar carinhos, onde está a crise? Quem é a crise? Paulo Renato? Silvio Torres? Crise, se há alguma (mas passa logo), pode existir é no governismo, que chegou dividido à eleição. Alguma seqüela sempre fica. Mas também nada que perturbe o equilíbrio do governismo. Não por causa disso. Outro número desprezado: o bonde do Chinaglia, o seu superbloco, tem 279 deputados, e ele obteve apenas 261 votos, só oito a mais do que o mínimo necessário. Dezoito deputados decidiram não seguir a orientação.
Tamanho da oposição – De resto, é preciso cair na real. Qual é o tamanho da oposição? Eu lhes digo: 143 deputados, a soma de PSDB (64), PPS (17) e PFL (62). Se quiserem, juntem aí PV (13) — e seria incorreto pôr todo ele. Chega-se a 156. O PSOL pode fornecer mais 3, 159. Queridos, não dá para eleger um presidente de oposição — e é bom lembrar que a turma de Heloísa Helena rejeitou Fruet. A Terceira Via sempre teve um caráter educativo e de protesto, ainda que o candidato negasse. É claro que é difícil ganhar. Não se esqueçam que os 72 deputados do bloco formado por PSB, PDT, PCdoB, PMN e PAN simplesmente integram o Conselho Político de Lula porque SÃO PARTIDOS GOVERNISTAS. Se o PFL tivesse fechado com Fruet, levando-o ao segundo turno, vocês acham que ele contaria com os votos do PSB ou do PC do B, por exemplo? É piada...

PT mediu forças com Lula e vai pedir mais – é falso!
Nunca, nunca mesmo!, vocês me verão a fazer digressões sobre dissensões entre Lula e o PT. Pode haver uma descoordenação ou outra, mas logo eles se acertam. O Apedeuta tirou a escada de Aldo Rebelo faz tempo. A idéia de que o PT vai enfiar a faca do pescoço do presidente é uma tolice. O efeito será justamente o contrário. O partido levou a presidência da Câmara. Lula vai dizer que foi um ganho e tanto. E vai deixar claro que terá de ser mais generoso com a parte derrotada da base do que seria se Aldo tivesse vencido a eleição.
PT paulista forte – Sim, fica mais forte no partido, sem dúvida. Mas é daí? É briga de branco. Eles que se entendam. “Ah, mas José Dirceu volta a ser uma referência”. Bem feito! Os petistas merecem. Não fosse essa uma briga que não me diz respeito — isto é, não tem nada a ver com o mundo que me interessa —, eu chegaria a fazer um esforço para que Dirceu voltasse a ser o manda-chuva do PT. Os petistas quase foram para o diabo justamente quando ele estava no comando. Sorriam: quanto mais Dirceu, mais problema para os petistas. Quanto mais problemas tem um petista, mais segura está a civilização. Ainda ontem, ele estava tentando derrubar a direção do Ipea. Até a imprensa petista fica um pouco infeliz. Por quê? Porque ela come pelas mãos de Luiz Gushiken. A chance de uma guerra intestina entre os amigos e os inimigos petistas de Daniel Dantas aumenta enormemente. Dirceu recende a confusão.
Anistia – “Ah, mas cresceu a chance de Dirceu ser anistiado”. Claro que cresceu.

Resumo da ópera
O resumo é o seguinte. Chega de frescura! Há menos de um mês, não havia candidatura da Terceira Via, e se duvidava que ela fosse possível. Saiu. Conseguiu 98 votos e ampliou enormemente a base de interesse pela disputa na Câmara. A rigor, só houve embate por isso. Ou o rolo compressor, aí sim, do PT e do PMDB teria triunfado, esmagando Aldo Rebelo, também um governista. Foi justamente a Terceira Via que possibilitou a formação do bloco PSDB-PFL-PPS. Só o blocão e o bloquinho governistas dão a Lula fantásticos 351 deputados. Sabem quantos são necessários para aprovar uma emenda constitucional, inclusive a da (re)reeleição (que será apresentada)? Meros 308 (três quintos dos 513 deputados). Sim, eu sei, existe o Senado. Lá, o PSDB (17) e o PFL (13), juntos, somam apenas 30 das 81 cabeças.
Lula esperou a eleição da Câmara para distribuir as prebendas ministeriais. Os governistas derrotados, não se enganem, receberão toda sorte de agrados. Mais: vêm por aí os embates do PAC, que tendem a engolfar o Congresso. O trabalho do núcleo oposicionista agora é tentar alargar algumas fissuras que sobraram no governismo por conta da disputa.
Política, meus caros, não é uma conta de chegada. Não numa democracia. Felizmente. Tem de ser feita a cada dia. E todo dia. O filósofo José Arthur Giannotti me disse, certa feita, em entrevista uma frase excelente: “Não existe política entre santos, mas existe entre sábios”.
Censurem sempre o oportunismo vendido como realismo. Mas afastem o cálice da burrice que pretexta convicção.

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