Lya Luft
"A omissão pode ser tão fatal quanto o crime. Sem atitudes firmes, continuaremos peças na engrenagem dessa fábrica de jovens Frankensteins, que vão nos brutalizar na primeira esquina"
Filha de fundador, professor e diretor de uma faculdade de direito, cedo percebi que a Senhora Justiça, se vendada para ser imparcial, por vendada nem sempre enxerga bem. Talvez ela nem queira ver em que sociedade doente estamos nos transformando. Um dos sintomas é o número crescente de crimes juvenis. Colabora para isso um Estado ausente ou trapalhão, que vira o rosto diante das multidões de crianças pedintes em nossas esquinas, onde boa parte da tragédia começa.
Enquanto se noticia que nos Estados Unidos uma fêmea de gorila salva um menino de 3 anos que caiu na jaula, aqui uma turma de adolescentes praticamente esquarteja uma criança de 6 anos, arrastando-a de carro como não fariam com um cachorro vadio. Segundo a polícia, ao ser presos portaram-se com indiferença, talvez seguros de uma punição mínima para tão horrendo crime. É preciso aproveitar a alavanca da nossa revolta para reivindicar (apesar de tudo, sejamos otimistas) providências imediatas. Não há tempo para teorizar mais. Reunir-se em solidariedade com familiares de vítimas é bonito, mas, sinto muito, não basta. Temos de juntar mais e mais gente de todas as classes para exigir uma Justiça realista, aplicação do que já existe de eficaz, prisões humanas, porém rigorosas, e leis severíssimas, também para os ditos menores.
Entre essas mudanças, sou totalmente a favor da redução da idade em que o jovem é considerado consciente de seus atos. Drogados ou lúcidos, os meninos começam a roubar e matar, às vezes com requintes de crueldade, aos 12 anos, pouco mais, pouco menos. Se apanhados, nem todos poderão ser reintegrados à sociedade. Voltarão para cometer novos crimes. Quando em outros países a idade mínima é de 14 anos, 12 anos e até menos, aqui aos 16 podemos mudar o país através do voto, mas se estupramos, matamos, roubamos antes dos 18 pegamos uma leve – e breve – pena em uma instituição que (com raras exceções) reeduca os passíveis de melhoria e deixa os psicopatas mais loucos.
Uma política séria e atuante, que buscasse o bem do povo, já teria reformulado leis desatualizadas e aplicaria com rigor as existentes. Não é o que vemos. Dirão: "Não há recursos". Pois é. O dinheiro roubado do povo no mensalão, nas sanguessugas, nos valeriodutos (esses termos começam a ser politicamente incorretos, por isso os devemos usar) daria para criar várias instituições adequadas para punir, reeducar, preparar para uma vida positiva e reintegrar criminosos à comunidade, mantendo presos pelo resto da vida os mais graves e incorrigíveis. Prisão perpétua, sim, senhores.
Mudar regras pode não resolver os problemas, trágicos e vastos, da violência. Mas há de nos conferir alguma esperança. Todos partilhamos da responsabilidade de escolher os líderes que nos conduzem (ou nos confundem) também nesse aspecto de nossa vida enquanto cidadãos: a segurança. A Dama Justiça há de tremer de indignação se espiar por baixo daquela venda: leis descumpridas com a maior naturalidade, presos amontoados feito lixo humano, presos gozando de benesses e em condições de tramar crimes a ser cometidos lá fora, indultos e saídas em Dia das Mães, Natal e outros – boa parte desses que saem vai cometer novos crimes, pois é o que sabem fazer. A prisão, que deveria lhes dar disciplina, profissão e esperança, é um doutorado no crime.
Acusa-se pela criminalidade juvenil a família, que às vezes é apenas outra vítima, ou "a sociedade", conceito vago que nos isenta de uma ação enérgica. Pululam projetos inconsistentes, vicejam teorias, cultivam-se vaguidões, vende-se a alma por um pouco mais de prestígio, pois nossa política virou um mercado persa de cargos, favores e poderes, e a frouxa postura nos parece normal (consideramos "normal" até mesmo o pior). Sem linha clara de pensamento, conduta coerente e coragem, nada vai melhorar. Alguns governantes heróicos vão à luta e procuram mudar a situação, mas – surpresa, surpresa – são criticados. Se não abrirem o olho, vão para um metafórico paredão neste triste país do Big Brother.
Tirem de cena os projetos jamais votados, as teorias abstrusas e os políticos interesseiros, recusem continuar na hipocrisia e botem no centro desse palco o chamado povo brasileiro: eu, tu, nós, vós, eles – os que tentamos miseravelmente sobreviver nesta selva.
A omissão pode ser tão fatal quanto o crime: sem atitudes firmes, continuaremos peças na engrenagem dessa fábrica de jovens Frankensteins, que, muitas vezes não tendo nem força para empunhar uma arma, vão nos brutalizar na primeira esquina.
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