13 fevereiro 2007

COVA CLANDESTINA

André Petry

"Dentro do PT, na cúpula do partido e entre os seus principais líderes, fica proibido chamar corrupção de corrupção, mensalãode mensalão, valerioduto de valerioduto"

Agora, está claríssimo: o PT quer enterrar seus escândalos éticos numa cova clandestina. Nada de revolver a terra, nada de fazer a boa e velha autocrítica, esse processo tão prezado pela esquerda em geral. Nada de discutir a fundo sobre a degeneração partidária que permitiu a produção do valerioduto dos mensaleiros, do dossiêgate dos aloprados. Nada disso. O PT quer apenas passar por cima dos escândalos dando a entender à platéia que tudo não passou, no máximo, de um erro – e, mesmo assim, um erro induzido pelas deformações do sistema político e eleitoral.

Há dois sinais eloqüentes na praça da disposição petista para o acobertamento.

Um deles apareceu na quinta-feira passada, na abertura da comemoração dos 27 anos do PT, em Salvador. O evento festivo abriu pedindo a anistia do deputado cassado José Dirceu... Para quem não se lembra, Dirceu foi cassado em plenário por comandar o esquema do mensalão e está denunciado como um dos chefes do que o procurador-geral da República chamou de "sofisticada organização criminosa". O PT, desde que o escândalo veio a público, até hoje não julgou um único de seus dirigentes envolvidos na criminalidade. A comissão de ética do partido está empoeirada. Em vez de pedir um julgamento, nem que fosse apenas para dar um verniz de democracia partidária, um pedaço do PT já pede perdão. É o acobertamento em seu figurino explícito.

O outro sinal veio antes, quando saiu a público a primeira versão de um documento intitulado "Mensagem ao Partido", assinado por uma penca de petistas célebres sob a liderança do ministro Tarso Genro. Nas versões iniciais, o documento até que dava nome aos bois: denunciava a crise ética que tomou conta do partido e acusava o atual grupo dirigente de enlamear o partido com seu mandonismo e sua desonestidade. Dizia coisas importantes. Que era preciso "refundar" o partido, que era preciso criar um "novo campo político" e até reconhecia que o PT não pode governar o país sozinho.

Os atingidos – José Dirceu à frente – não gostaram, e o grupo reescreveu o texto da tal "Mensagem ao Partido". É uma pena. A última forma é uma versão adocicada, crivada de eufemismos e contorcionismos verbais para não dizer que crime é crime e que criminoso é criminoso. Diz que é preciso "resgatar princípios e valores no interior do partido", mas não diz quais, nem explica por que, como e onde tais princípios e valores foram para o brejo. Diz que é preciso consolidar "uma verdadeira ética republicana", mas não define o que é isso nem qual teria sido, neste caso, a falsa ética republicana...

O caso demonstra que, dentro do PT, na cúpula do partido e entre seus principais líderes, fica proibido chamar corrupção de corrupção, mensalão de mensalão, valerioduto de valerioduto. E, assim, tudo se combina: fazem-se menções apenas protocolares e envergonhadas à falência ética e, simultaneamente, promove-se um festivo movimento para anistiar Dirceu – sem nem mesmo uma reuniãozinha, uma que seja, para avaliar qual foi sua participação no mensalão. Para um partido que saltou do socialismo para a social-democracia sem fazer escala na autocrítica, para um partido que fez o mesmo vôo direto do estatismo para a economia de mercado, não é surpresa que agora empreenda uma viagem descabelada – a de pensar em refazer-se de uma crise sem reconhecer a própria crise.

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