30 setembro 2007

REPRESENTANTES DE MENTIRA

JANIO DE FREITAS

É deliberada mentira que exista e que seja democrática a representação do povo e dos Estados pelos parlamentares

A condenação da Câmara e do Senado, merecedores da confiança de apenas 12,5% e 14,6% da população, respectivamente, como concluiu pesquisa promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, não atesta só a progressiva deterioração do Poder Legislativo. Evidencia já uma situação crítica, incapaz de sobreviver por muito tempo sem conseqüências, se não for combatida com providências verdadeiras. Não há caso de degenerescência assim, em alicerces institucionais, que não tenha levado a problemas extremados, às vezes por faíscas mínimas.
O sistema que elege deputados e senadores é uma fraude contra o eleitorado. É deliberada mentira, no regime e na legislação do Brasil, que exista e que seja democrática a representação do povo e dos Estados pelos parlamentares. Fraude e mentira cujo fim é indispensável, como preliminar, para deter a degradação institucional e política.
A composição da Câmara só terá o sentido de representação quando obedecer à ordem quantitativa dos votos dados, em cada Estado, aos candidatos. O sistema dos "candidatos puxadores" de votos é uma fábrica de aberrações. Indústria de picaretagem eleitoral que permite, em um dos poucos exemplos divulgados, a eleição a deputado federal de uma candidata com ridículos 200 votos no maior eleitorado do país, São Paulo. Sem sobrenome identificado, prenome adotado para as circunstâncias, candidata paulista mas moradora no Rio, foi eleita pelos votos excedentes do seu correligionário Doutor Enéas, em relação ao coeficiente estabelecido. Candidatos com dez vezes ou ainda mais votos não foram para a Câmara. Entre eles e a amiga do Enéas, a mentira da "representação democrática" excluiu os mais votados. Caso único? Ou raro?
Assim é a composição da Câmara: nem 10% dos seus integrantes foram eleitos por conta própria. Em seus respectivos Estados, candidatos com maior número de votos, e portanto com maior representação do eleitorado, ficaram de fora em favor de beneficiados pelo cômputo segundo coeficientes partidários. É a vontade eleitoral adulterada; e, claro, a representação que não existe na Câmara.
Eleitos de fato e representantes potenciais só podem ser os que tenham mais votos em cada colégio eleitoral, e essa é a maneira de compor uma Câmara sem fraudar o espírito democrático da eleição e das instituições. Por isso mesmo, não é menos aberrante e fraudulenta a existência de suplente de senador, um "eleito" sem voto e, com muita freqüência, parte da tal picaretagem eleitoral (o suplente paga a campanha do candidato, que, apesar disso, arrecada e embolsa altas contribuições: é comum o suplente ser um bom negócio do efetivo). Com ou sem picaretagem eleitoral, o suplente levado ao exercício no Senado, por estar o efetivo no governo ou de licença, não recebeu representação do eleitorado, logo, existe por absurdo legal mas é ilegítimo. Outra fraude da "representação democrática".
A primeira corrupção de parlamentares a ser eliminada deve ser a que tem o governo como corruptor. A compra de adesão à tal "base governista", uma ficção que varia conforme as cobranças e pagamentos sucessivos, é corrupção institucionalizada. Está nos jornais, está na TV, como algo feio e reprovável, porém aceito e liberado para continuar. Com freqüência, no entanto, não lhe faltam os aspectos de crime de extorsão, de chantagem, e de corrupção nem se fala.
Existe solução, sim, a começar de algo que a lei exige para nada: o programa registrado por cada partido. Ou há obrigação de cumprir seus princípios, em vez de seguir o compra-e-venda aleatório, ou a lei que o exige está em vigor para encobrir corrupção política. O respeito à lei exigente de programas não impediria adesões a outros princípios e programas, bastando sua aprovação em convenções. Ou seja, do partido, e não de grupelhos dirigentes envolvidos no mesmo compra-e-venda.
A outra fonte da relação corrupta entre governo e Congresso são as emendas parlamentares ao Orçamento, pelas quais deputados e senadores tornam-se donos individuais de certas verbas e sua destinação. Medidas que impeçam ou reduzam muito o uso da liberação dessas verbas, como moeda de compra de adesão ou de voto pelo governo, são simples e de várias formas possíveis. Um teto, por exemplo, no valor total das emendas individuais, com liberação obrigatória, elimina o compra-e-venda sem perturbar as contas públicas.
Nenhuma solução deve ser esperada da Câmara e do Senado, ou não seriam incapazes de merecer um mínimo da confiança de 87,5% e 85,4% da população jovem/adulta. Mas se os que compõem esses percentuais alarmantes não gerarem esforços de mudança, passemos todos a discutir outro assunto: quando e que conseqüências virão, por certo.


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Diante disto, o que podemos esperar?

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