01 setembro 2007

DE PAIS E FILHOS

FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Longe de soar revisionista, Cristovão Tezza desenvolve um sentido apurado do contraditório das coisas


A autenticidade da voz que narra "O Filho Eterno", de Cristovão Tezza, não está apenas na verdade da experiência do autor, professor de lingüística, romancista premiado e pai de Felipe, um rapaz de 26 anos com síndrome de Down. Sóbria, ela passeia o leitor por um tropel de ansiedades, culpas, esperanças, mas encontra seu equilíbrio possível sob a forma de um auto-exame impiedoso, escrita de humildade não resignada, inconclusiva, que combina doses idênticas de auto-inspeção feroz e autodesprezo compreensivo.
Em livros como "Trapo" (1988), "O Fantasma da Infância" (1994) ou "Uma Noite em Curitiba" (1995), Tezza consolidou, aos poucos, seu narrador característico: um sujeito urbano, fora do eixo Rio-São Paulo, tensionado ironicamente entre a consciência orgulhosa da criação e as exigências rebaixadoras da vida.
Foi se afastando do modelo de "Ensaio da Paixão" (1986), romance alegórico embalado no último fôlego das aspirações utópicas, mas também expressão autobiográfica, à beira do catártico, de uma vida "artística" e marginal, no teatro e nas comunidades alternativas.
O título de seu último romance não faz referência apenas à relativa incapacidade da criança de apreender a passagem do tempo, preenchê-lo ou esbanjá-lo segundo espera a média das pessoas. Alude também à necessidade de um ajuste de expectativas, reconhecimento de limites que obriga o pai a abandonar a convicção mítica e narcisística de que a arte lhe abriria indefinidamente todas as possibilidades. O nascimento de Felipe força um mergulho na própria insuficiência, choque que faz o aspirante a poeta poundiano abandonar a figura heróica do artista, Lúcifer que se basta, e abraçar a prosa do mundo.
Reconstituindo os primeiros passos hesitantes do filho na busca por inserção e autonomia, objetivado na moldura de uma terceira pessoa, o narrador ensaia uma modalidade peculiar de romance de formação, simétrica e invertida. Acompanhar o menino pela mão, observar suas razões implica reconsiderar escolhas, relativizar valores, refazer às avessas, menos dogmático e seguro, o próprio percurso. Longe de revisionista, desenvolve-se um sentido apurado do contraditório das coisas: o que era fantasma para a contracultura (como a rotina ou a normalidade) pode assumir o aspecto imprevisto de conquista desejável.
Certo que aqui há comoção que fere fundo, lembrando os poemas do recente "Meu Filho, Minha Filha" (Bertrand Brasil, 2007), de Fabrício Carpinejar. Mas o Thomas Bernhard da epígrafe não é evocado em vão. À maneira da autobiografia ficcional do escritor austríaco (traduzida em "Origem", Companhia das Letras, 2006), trata-se de emoção relembrada na intranqüilidade, examinada e descrita no que tem de exemplar, mesmo - e principalmente - quando falível e não edificante. Cristovão Tezza é, hoje, um escritor maduro.

*

Confesso que fiquei chocado ao ler sobre este livro. E realmente o assunto é muito complexo...
É até difícil emitir uma opinião.

Dê você mesmo uma folheada e tire suas próprias conclusões. Vale a pena.

O FILHO ETERNO
Autor:
Cristovão Tezza
Editora: Record
Nº de páginas: 222
Preço: R$ 34,00

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