16 setembro 2007

ALTA NOS PRODUTOS AGRÍCOLAS VEIO PARA FICAR, DIZ MINISTRO

Folha de S. Paulo

Crescimento mundial e uso de matéria-prima para álcool elevam preços de alimentos a patamar superior, diz Reinhold Stephanes

Titular da Agricultura alerta para falta de financiamento do plantio da próxima safra e culpa BB por criar obstáculos para conceder empréstimos

Diferentemente do que defende a equipe econômica, o aumento de preços dos alimentos que o consumidor já vem experimentando não deve ser passageiro, na avaliação do ministro Reinhold Stephanes (Agricultura). Segundo ele, depois de 20 anos contribuindo para puxar a inflação para baixo, os alimentos atingiram novo patamar de preços e a tendência é de alta.
"Os preços se elevaram, no momento não muito, mas tenho impressão de que esse é um fenômeno que vai se manter", diz em entrevista à Folha.
Ele baseia sua avaliação no ciclo de crescimento mundial, que, diz acreditar, poderá até ser um pouco reduzido por conta da crise financeira nos Estados Unidos, mas ainda se manterá nos próximos anos, e também no uso de grãos como matéria-prima para biocombustíveis em todo o mundo.
Tudo isso, porém, rebate, não será um risco para a inflação. Stephanes, deputado eleito pelo PMDB do Paraná, fala também das expectativas à frente de uma área que enfrentou forte crise e falta de recursos no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Ele diz que um risco para o cenário favorável atual da agricultura é a falta de financiamento do plantio da próxima safra e culpa o Banco do Brasil por criar obstáculos para conceder os financiamentos depois de várias reuniões no ministério. "Até agora, só 15% dos produtores têm financiamento.
Nos outros anos, neste período, já eram mais de 40%", diz. Leia, a seguir, trechos da entrevista.



FOLHA - Há problemas na renegociação de dívida rural?
REINHOLD STEPHANES -
É que se combinaram as coisas e o Banco do Brasil não está executando. Dívida rural não é negócio. A dívida rural é uma situação que tem de ser analisada tecnicamente e tem que haver um entendimento sobre como vamos estruturá-la.

FOLHA - Os problemas são os mesmos todos os anos.
STEPHANES -
A gente discutia endividamento em tempos de crise. Dessa vez começamos em momentos mais tranqüilos, com racionalidade. As coisas andaram, pelo menos a parte que dizia respeito à obtenção de financiamento dessa safra que vai se plantar. Mas o Banco do Brasil resolveu analisar caso a caso. Agora, bem em cima da hora do plantio.
Como não há tempo de analisar, o banco diz: quem pagar aceito; quem não pagar analiso depois. Mas o sujeito quer plantar. Dizem que, se não pagar, há problemas de garantias. Mas em nenhum momento nem o diretor nem o presidente do Banco do Brasil falaram isso nas reuniões.
Até agora só 15% dos produtores têm financiamento. Nos outros anos, nesse período, já eram mais de 40%. Imagina manter a calma. É bom alertar de que há insatisfação do ministro e de agricultores.

FOLHA - A pressão dos alimentos na inflação preocupa?
STEPHANES -
Qual era o fenômeno natural nos últimos 20 anos? O preço dos alimentos estava abaixo da inflação. O que puxou a inflação? Transportes, combustíveis, telecomunicações, planos de saúde, educação, aqueles índices tradicionais. As curvas dos alimentos são descendentes. O aumento de produção se deu pela maior produtividade e esse excesso de oferta se transferia para o consumidor. Essa é a história.
Hoje, aparentemente, acontece uma inflexão dessa curva. Ela tende a subir e a se estabelecer num patamar um pouco mais alto, por duas situações convergentes que não aconteceram nos últimos cem anos.
Uma é ter um período de crescimento elevado por longo período. O último período de crescimento mundial de longo prazo foi de 1970 a 1974, quebrado pela crise do petróleo de 1975.
Agora, de repente, começa a partir de 2002 um crescimento mundial quase generalizado.
Isso leva a expansão da renda, que provoca, em primeiro lugar, aumento no consumo de comida. Muitos países que não comiam carne passaram a comer. Então, há um fenômeno de aumento de renda e de consumo. O exemplo mais claro é a China, que aumenta o consumo por alimentos em 9% e uns quebrados ao ano. Onde há aumento de produção de 9% ao ano para atender a demanda?
Há um aumento da demanda mundial. Um fenômeno que, se prosseguir, em dois, três, quatro anos de crescimento, mesmo que diminua um pouco, provocará um aumento forte por demanda. Você vê que não é por acaso que o Brasil está aumentando em 20% a exportação de carnes todo ano.
E a outra questão conjugada totalmente nova é o uso de matérias-primas agrícolas para a produção de álcool. Não é nova no Brasil, não altera o nosso panorama a curto prazo. Mas é nova quando os Estados Unidos resolvem pegar 80 milhões de toneladas de milho, mais do que a produção brasileira, só para fazer álcool.
O mercado está enxergando isso, vendo que os EUA criaram uma estrutura de produção forte a partir do milho e não vão sair dela. Claro que houve aumento do milho e da soja, que são utilizados para alimentação animal. Em conseqüência, houve elevação do preço do frango e da carne bovina.
Os preços se elevaram, no momento não muito, mas tenho a impressão de que esse é um fenômeno que vai se manter à medida que a demanda mundial continue aquecida por alimentos.

FOLHA - Qual a melhor opção para o Brasil atravessar esse período de altas nos preços?
STEPHANES -
O aumento interno ainda não é tão alto, no geral influenciou a inflação em um ponto [percentual e] alguma coisa. Mas vejo com muita dificuldade. Por mais que haja uma boa safra, isso só evita que os preços subam mais, mas a demanda mundial está aquecida.

FOLHA - Uma recessão nos EUA muda muito o quadro?
STEPHANES -
Não há previsões ainda de recessão, mas de uma diminuição no ritmo de crescimento. De qualquer forma, tem aí acumulado um bom ritmo, um novo patamar de renda e de consumo. Quando se projeta, vemos uma tendência do aumento da demanda de consumo de alimentos e não vemos muitos países com capacidade de atender essa demanda. A China vai continuar demandando produtos, não tem produção interna.
Aí vêm umas coisas interessantes. Em dez anos, o Brasil representará 80% do mercado exportador do mundo. Hoje, temos 40%. A tendência é que alguns aumentos de demanda sejam atendidos pelo país.

FOLHA - O aumento de preços será bom para o Brasil?
STEPHANES -
Acaba sendo extremamente interessante porque o Brasil é o país que tem as melhores condições para dar resposta. Tanto que somos líderes em exportação de carne, grãos, álcool etc. Nada indica que essa tendência vá cair, a não ser que haja uma recessão mundial.

FOLHA - O aquecimento de preços representa ameaça ao controle da inflação?
STEPHANES -
Não, porque é preciso ver o peso da comida no orçamento familiar. Claro que agora há pequeno ajuste, mas nada de mais. Isso vai ser agora um processo, pode ver que já houve o primeiro impacto.
Os preços já estão num novo patamar, e a inflação já absorveu. É evidente que, olhando isso no longo prazo, a tendência é crescer, mas não para grandes saltos, um pouco a cada ano.

FOLHA - Qual é a visão do governo a respeito?
STEPHANES -
Até agora, não temos sentado para conversar sobre isso, porque esses impactos aconteceram há pouco tempo, o próprio Mantega considerou pontuais e já absorvidos. Agora, evidentemente, tem de monitorar daqui para a frente.


*

Não podia esperar outra coisa do ministro Reinhold Stephanes.
Um político sério e responsável, defensor das causas justas.
Eis um homem público com elevado espírito público.
Muito mais do que o cargo que ocupa, o que vale para ele, é a consciência do dever cumprido.

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