MARCELO COELHO
"Esse sociólogo quer demonstrar que as elites são mais éticas do que a classe baixa!"
Uma onda de inconformidade e ranger de dentes parece ser o principal efeito do livro "A Cabeça do Brasileiro", do sociólogo Alberto Carlos Almeida, recentemente publicado pela editora Record.
O autor, que é professor na Universidade Federal Fluminense e diretor de um instituto de pesquisas, resolveu medir as opiniões da população brasileira a respeito de assuntos cruciais, como racismo, intervenção do Estado, sexualidade, violência policial, "jeitinho" e corrupção. Os resultados são indiscutivelmente simpáticos para as "elites" e pouco abonadores no que se refere ao "povão".
Em praticamente todas as questões propostas, os entrevistados com diploma de ensino superior se mostram menos fatalistas, menos conformistas, menos conservadores do que a população de baixa escolaridade. O abismo é total quando se compara o pensamento de uma mulher nordestina, analfabeta, idosa e moradora do interior com as opiniões de um jovem habitante de alguma capital do Sudeste.
Os resultados do livro caíram como uma péssima notícia nos ambientes em que é costume criticar "as elites" pelo atraso do país. Paralelamente, soam como música para os setores de classes média e alta urbanas que não engolem a popularidade do governo Lula.
O levantamento procurou utilizar questões bastante precisas para medir as diferenças de atitude da população. Pede-se, por exemplo, que o entrevistado diga se concorda ou não com esta frase: "Se alguém é eleito para um cargo público, deve usá-lo em benefício próprio, como se fosse sua propriedade".
Só 3% dos que têm curso superior concordam com isso. Entre os analfabetos, 40% acham a frase correta.
Para avaliar a presença de uma "mentalidade hierárquica" na população, Almeida valeu-se de recursos interessantes. Eis um caso: se a patroa disser à empregada doméstica que ela pode assistir à televisão na sala junto com ela, qual deve ser a atitude da empregada? Sentar no sofá junto da patroa? Assistir à TV na sala, mas pegar uma cadeira na cozinha? Continuar assistindo à TV no quarto de empregada?
Na região Sul, 72% acham que a empregada deveria se sentar no sofá. No Nordeste, a proporção cai para 55%. Entre os analfabetos, 53% acham que a empregada deve pegar a cadeira na cozinha. Só (só?) 25% dos que têm curso superior têm essa opinião.
O homossexualismo masculino é rejeitado por ampla maioria: 78% dos brasileiros mostram-se "totalmente contra" essa prática. A opinião muda um pouco se o entrevistado é do Sudeste (85%) ou do Centro-Oeste (94%), e se tem menos de 24 anos (83%) ou mais de 60 (94%).
Novamente, o decisivo nesse ponto é a escolaridade: dos que têm curso superior, só (só?) 75% são totalmente contra, enquanto entre os analfabetos a rejeição sobe a 97%.
E por aí vai. Espancamento policial, censura aos meios de comunicação, socorro a empresas falimentares, desinteresse em cuidar do patrimônio público: praticamente não há coisa criticada pelo pensamento liberal-ilustrado que não tenha apoio dos setores menos escolarizados.
Pois bem, a pesquisa provocou reações violentas. Esse sociólogo quer demonstrar que as elites são mais éticas do que a classe baixa! Para ele, o Brasil seria perfeito se o povo não existisse...!
É possível que muitos leitores do livro achem mesmo que os pobres são um grande estorvo ao nosso progresso. Mas o levantamento feito por Alberto Carlos Almeida não tem por que suscitar interpretações desse tipo.
Primeiro, porque é uma pesquisa sobre opiniões, não sobre comportamentos. As "elites", se quisermos, podem muito bem dizer coisas razoáveis e na prática agir sem ética nenhuma -e a pesquisa não se propunha a verificar esse tipo de coisa.
Segundo, porque está longe de levar a conclusões reacionárias. Ao contrário, não se atribui a nenhuma força imutável, como "o caráter nacional do brasileiro", a "herança ibérica" e coisas do gênero, a quantidade de opiniões antidemocráticas que pulula nas tabelas. O que falta é educação. Terceiro, porque se verifica que é nas escolas, e não por meio da TV e das igrejas, por exemplo, que uma visão moderna do mundo pode ser socializada.
E seria muito estranho, finalmente, se num país extremamente dividido e desigual as opiniões da população fossem homogêneas e "certinhas". Não há o que comemorar, nem do que se enraivecer, com o livro de Alberto Carlos Almeida. Constitui um retrato - o que importa é mudá-lo.
*
Será?!
Vamos ler o livro?
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