04 setembro 2007

DIMENSÃO PARALELA

Editorial da Folha de S. Paulo

O presidente Lula e o PT estão se especializando em criar um mundo onde ficções úteis sobrevivem divorciadas da realidade

O Partido dos Trabalhadores e seu presidente de honra, Luiz Inácio Lula da Silva, parecem viver numa dimensão paralela, onde entidades oníricas têm o dom de intervir sobre a realidade e não vigora o princípio da não-contradição. Pelo menos é isso o que se depreende das teses apresentadas no 3º Congresso do PT, que teve lugar neste fim de semana em São Paulo.
No fantástico mundo de Lula, petistas não devem ter vergonha de defender "companheiros" que se tornaram réus no processo do mensalão, e o eterno presidente de honra pode candidamente proclamar: "Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que nosso partido".
Na Terra do Nunca presidencial, em que a boa e velha lógica aristotélica foi substituída pelas evasivas e tergiversações delubianas, tais afirmações podem coexistir pacificamente com as 11,2 mil páginas do inquérito (descontados anexos e tabelas) em que se descreve com alguma minúcia o esquema de banditismo urdido por baluartes petistas para desviar dinheiro público e corromper parlamentares. Pouco importa que o próprio Lula já se tenha dito "traído" pelos companheiros que agora absolve.
No mundo quântico petista, é possível que algo esteja vivo e morto simultaneamente. O partido, extravasando ecos de um passado que não existe mais, se compromete a lutar pelo "socialismo democrático e sustentável" -o que quer que isso signifique. Mais do que isso, propõe um plebiscito pedindo que se anule a privatização da mineradora Vale do Rio Doce, realizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Nem parece tratar-se da mesma legenda que dá sustentação ao governo que paga a segunda maior taxa de juros do planeta e cujo líder máximo afirmou há pouco que os ricos já ganharam muito em sua administração e não têm motivos para queixas.
Na Utopia petista, o partido aprova resolução em que defende o direito ao aborto, convencionais vaiam uma ex-parlamentar que discursa contra o procedimento, e o governo indica um católico ultraconservador para compor o Supremo, que acabará julgando a matéria.
Na mesma linha, a legenda aprova uma moção com críticas aos militares e em que exige a abertura dos arquivos da ditadura. Nem parece tratar-se do mesmo PT que, no governo, cedendo aos apelos do Exército e do Itamaraty, manteve a absurda figura jurídica dos documentos oficiais sob sigilo eterno.
Diga-se em favor do PT e do presidente Lula que eles ao menos conseguiram reinventar a dialética marxista, ao engendrar um governo que já traz em si mesmo sua própria negação. É lamentável que tal inovação só subsista com o sacrifício da realidade. É nisso que Lula e o PT estão se especializando.


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