10 setembro 2007

O LIMITE DAS ARQUITETURAS


Dulce Critelli


[...]LUGARES DE MORAR SÃO BAÚS DE HISTÓRIAS, ÁLBUNS DE RETRATOS, ANÚNCIOS DE PROVÁVEIS FUTUROS

Ainda não li, mas comprei o livro "Arquitetura da Felicidade", de Alain de Botton, um filósofo contemporâneo atualmente em cena. Tenho uma atração sem medida por essa condição humana que é morar, na qual moradia e morador se entrelaçam em infinitas e caleidoscópicas combinações.
A arquitetura e a moldagem dos locais de habitação (sejam casas, cidades, locais de trabalho, escolas, entre outros) são filosofias de vida. São, ao mesmo tempo, convites e expressões de modos de ser de indivíduos ou de grupos.
Eles revelam quem somos, como somos, para que somos: nossa necessidade de ordem, a desarrumação das nossas idéias e dos nossos sentimentos, nossos medos e apegos, nossa preguiça e nossas esperanças, nossos trejeitos, nossas mais puras intimidades e idiossincrasias.
Lugares de morar são baús de histórias, álbuns de retratos, anúncios de prováveis futuros. São recintos onde lidamos com a morte, com a vida, com a política, com as religiões, com a economia. Pontos desde onde fixamos os limites e os horizontes para nossas andanças, investidas, ousadias.
Por isso, podem se tornar fortes, prisões, templos, câmaras de tortura, parques de diversão, ninhos de amor...
Moradias são lugares pessoais, mas também demarcam onde podemos ser encontrados pelos outros e nos referem à comunidade. São as paragens desde onde estabelecemos e nos relacionamos com vizinhos, com estranhos, com o bairro, com a cidade, com o tempo e com as épocas históricas, com os eventos do dia-a-dia.
A loucura da mulher que passa horas, todos os dias, na calçada da minha casa atravessa as portas e as janelas e atrapalha meu trabalho, minhas conversas, meu sossego. Ela não sabe que seus gritos conversam comigo e mexem com meus sentimentos, com meus pensamentos e meus preconceitos. Não sabe que entra na minha casa e interfere na minha vida. Nem sabe que me ensina que a minha casa é devassada e não me protege como imagino ou como desejava.
Parodiando Ortega y Gasset, o filósofo espanhol, nossa casa é ela mesma mas também suas circunstâncias e adjacências. E lembrando Milton Nascimento, "em volta dessa mesa (...) uma cidade...".
Moramos numa casa, mas essa casa mora "lá fora". Se ruas de morar se convertem em ruas de comércio e os vizinhos vão embora, somos nós que ficamos sozinhos. Os arredores das nossas casas são os arredores de nós mesmos.
Nossas casas põem o mundo perto de nós. Elas são como um tabuleiro onde acontece o jogo entre nossos propósitos e os interesses do mundo. A arquitetura de casas e de cidades delimita as nossas possibilidades, mas é a nossa alma que dá o limite das arquiteturas.


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Bem interessante... vou dar uma olhada no livro citado.




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