André Petry
"O problema brasileiro não é a durezacom que a Justiça trata o crime dos ricos. É a insistência quase exclusiva com quepune apenas o crime dos pobres"
Saiu a sentença contra o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, condenado por desviar coisa de 3 bilhões de reais. Pegou 21 anos de cadeia. É a maior sentença que um banqueiro já recebeu no Brasil – e eis aí uma excelente notícia. Cumprindo o papel que lhe cabe, o advogado Sérgio Bermudes, que trabalha para o ex-banqueiro, protestou. "Vinte e um anos é uma pena para homicida. Esse juiz é um homem malvado." É o juiz Fausto Martin de Sanctis, titular da 6ª Vara Federal Criminal em São Paulo. Pois dizem que ele é malvado mesmo. Sua vara ganhou o apelido de "câmara de gás". Quem cai lá se dana. É a outra excelente notícia, porque a 6ª Vara do juiz Fausto de Sanctis é especializada no julgamento de crimes financeiros. Quando crimes financeiros começam a ser julgados com rigor, algo de bom está acontecendo.
Nos Estados Unidos, as sentenças contra os criminosos do colarinho-branco ficaram mais duras nesta primeira década de século. Bernard Ebbers, ex-barão da WorldCom, condenado por fraude contábil de 11 bilhões de dólares, pegou 25 anos de cana. Timothy Rigas, da Adelphia Communications, sentenciado por uma sucessão de crimes financeiros e fraudes contábeis, foi condenado a vinte anos. Dennis Kozlowski, ex-presidente do conglomerado industrial Tyco, também pegou 25 anos de cadeia. Desviou 600 milhões de dólares da empresa para o seu próprio bolso. O rigor é explicável: a montanha de fraudes estava minando a credibilidade do sistema financeiro, do mercado de ações, da poupança. As penas mais duras destinavam-se a preservar a confiança da massa de cidadãos que poupam e investem suas economias.
Edemar Cid Ferreira é acusado de surrupiar 3 bilhões de reais, uma parcela de seus investidores e outra do BNDES, que é parte do meu, do seu, do nosso dinheiro. É mais ganancioso do que Dennis Kozlowski e seus 600 milhões de dólares. A pena de 21 anos pode chamar atenção no cenário brasileiro, mas não é nada de outro mundo, como prova o exemplo americano. O problema brasileiro não é a dureza com que a Justiça trata o crime dos ricos. É a insistência quase exclusiva com que pune apenas o crime dos pobres – e, às vezes, com estonteante brutalidade.
O exemplo mais gritante dessa distorção é o caso da doméstica Angélica Aparecida Souza Teodoro. Ela foi flagrada furtando um pote de manteiga num mercado em São Paulo, que custa por volta de 5 reais. Ficou 128 dias na prisão. Seu advogado, Nilton José de Paula Trindade, foi quatro vezes à Justiça para conseguir que fosse libertada. Julgada recentemente, foi condenada a quatro anos em regime semi-aberto. Na sua sentença, o juiz Cesar Augusto Andrade, da 23ª Vara Criminal, explica que a pena não se deve apenas à tentativa de levar um pote de manteiga, mas sobretudo ao fato de que a acusada, ao ser abordada pelo dono do mercado e o irmão, devolveu a manteiga mas fez ameaças contra os dois homens. O juiz considerou a ameaça de "singular gravidade" e pôs a ré em cana por quatro anos.
Ninguém chama a 23ª Vara Criminal de "câmara de gás", nem o juiz César Andrade de "homem malvado".
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