JOÃO PEREIRA COUTINHO
Quando a morte viesse, estaríamos sossegados no berço, como bebês com a chupeta na boca
Creio que era o jornalista H. L. Mencken quem escreveu no seu diário que a velhice era um estado irônico. Ele passara toda a juventude em busca de leitores. E quando finalmente tinha leitores, já não tinha a sua juventude.
Recordo a observação por motivos pessoais evidentes: vivo do que leio e escrevo. E não existe dia em que não recorde também um momento terrível da peça teatral de William Nicholson, "Shadowlands", em que o escritor C. S. Lewis pergunta a um colega de ofício se ele nunca sente a terrível sombra do desperdício. O outro diz que sim, baixa os olhos (envergonhado) e continua, solitariamente, a leitura. Em inglês, a palavra "waste" tem um peso e uma ressonância impossíveis de traduzir para português.
Mas a observação de Mencken (e de Lewis) pode ser alargada a qualquer profissão. Em escritórios ou fábricas, empresas ou lojas, as pessoas perdem a juventude em busca de segurança e conforto; e quando, finalmente, atingem segurança e conforto, a juventude já pertence ao passado. Velhas, cansadas. Provavelmente doentes. O pano desce.
Teria mesmo que ser assim? Acabo de ler na "Scientific American" um ensaio curioso sobre a "assimetria do tempo". Não vou cansar os leitores com terminologia técnica. Digamos apenas isto: é possível transformar um ovo em omelete, não é possível transformar uma omelete em ovo. Ou, se preferirem, somos capazes de lembrar o passado, mas é impossível recordar o futuro. O futuro existe "para a frente"; o passado, "para trás"; e essa realidade -avançamos do passado para o futuro, ou seja, envelhecemos- é uma constante cósmica desde o momento explosivo em que o Big Bang deu origem ao universo.
O encanto do artigo está na possibilidade, defendida pelo cientista Sean Carroll, de ter existido um tempo, anterior ao Big Bang, em que as coisas andavam ao contrário. Sean Carroll avisa que a hipótese não permite as fantasias esperadas: um tempo em que as pessoas, caso existissem, nasceriam velhas e ficariam jovens. Para o cientista, esse tempo pré-Big Bang permitiria um relacionamento distinto com o tempo: pessoas recordariam o "futuro" e avançariam para o "passado".
Respeito a ciência. Respeito o cientista. Mas é precisamente a fantasia que me interessa. E não posso deixar de pensar como é injusto que alguém termine com a festa no exato momento em que a festa começava a ficar interessante. No exato momento em que tínhamos tudo: dinheiro, experiência, sabedoria. Tempo livre. Tempo nosso.
Nada tenho contra o trabalho. Contra? Eu amo o que faço e acredito que sou correspondido pela donzela. Mas tudo seria mais justo se fosse possível caminhar para trás. Como caranguejos humanos dispostos a regredir até o berço.
Então imagino a existência humana iniciada aos 80 ou 90 anos: nós, espreguiçando o corpo, acabadinhos de sair da tumba. Seriamos como são os bebês: igualmente frágeis, igualmente desdentados, igualmente trôpegos na caminhada.
Mas o reumatismo entraria em regressão por volta dos 76. Abandono da bengala por volta dos 75. E, aos 74, a escola primária esperaria por nós. Aprender a ler, escrever, contar. Liceu aos 64. Fumar o primeiro cigarro aos 63. Namorar aos 62. Gravidez inesperada aos 61. Universidade aos 60.
E, depois da universidade, trabalho aos 55. Suor e dedicação no escritório, na empresa, na fábrica. Primeira promoção aos 50. Chefe de departamento aos 45. Ligeiro infarto aos 40 (opcional). Mas, sobretudo, seria possível acumular dinheiro. Experiência. E nenhum sentimento de culpa ou desperdício. O rosto seria a imagem da felicidade futura. Mais um dia, menos uma ruga. O cabelo a regressar. A barriga a encolher. As mãos a ganharem firmeza e agilidade. Sim, isso em que vocês estão a pensar, também. E, aos 30, era o adeus aos óculos: a miopia desaparecera da noite para o dia.
E quando os 20 anos finalmente chegassem, pediríamos a aposentadoria. Teríamos 20 anos pela frente, com pleno vigor físico e mental. Aposentados, saudáveis e jovens, mas sem a estupidez própria dos jovens, porque teríamos uma vida inteira de sabedoria por trás. Ou pela frente. Ou vice-versa.
Seria possível viajar pelo mundo em plena adolescência. Brincar na infância com os amigos da velhice.
E quando a morte finalmente viesse, nada haveria a temer ou a lamentar: estaríamos sossegadamente no berço, como bebês inocentes, prontos para enfrentar o sono eterno com a chupeta na boca.
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