Kennedy Alencar - Folha de São Paulo
Se reeleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará uma série de desafios. Problemas não faltam. O obstáculo imediato é tentar evitar o segundo turno. Reconduzido na primeira ou na segunda fase, o petista terá de se preocupar com o "day after", como eventual crise de governabilidade.
Lula tem dito que deseja realizar um segundo mandato melhor do que o primeiro. Difícil prever se será melhor ou pior. Com certeza, será bem mais difícil do que o primeiro. Seguem os cinco principais desafios do petista:
Evitar o segundo turno
Analistas dos institutos de pesquisas dizem que dificilmente haverá segundo turno se Lula não perder votos na faixa mais pobre do eleitorado, sobretudo no Nordeste. No final de semana, duas pesquisas, Datafolha e Ibope, esquentaram ainda mais a reta final. A primeira mostrou boa chance de a fatura ser liquidada na primeira etapa. A segunda indicou que a disputa presidencial poderá ir ao segundo turno.
No levantamento do Datafolha, cujas entrevistas foram feitas na sexta (22/9), Lula teve vantagem de 8 pontos percentuais sobre a soma dos adversários. Ou seja, suficiente para se eleger com 55% dos votos válidos no primeiro turno. Já uma pesquisa Ibope, realizada de quarta a sexta, mostrou vantagem de apenas 3 pontos percentuais _52% dos votos válidos, percentual próximo à margem de erro. Ou seja, os efeitos do "Dossiê Tabajara" teriam aumentado a chance de segundo turno.
Há tensão na cúpula do governo por conta da pesquisa Ibope. Um eventual segundo turno a essa altura do campeonato equivaleria a uma derrota política. A oposição teria nova chance de tentar bater um Lula enfraquecido pela tentativa de petistas de comprar um dossiê contra o tucano José Serra, candidato ao governo paulista. No mano a mano, Lula não teria como evitar debates e polarização ainda mais acirrada com Geraldo Alckmin, candidato a presidente da aliança PSDB-PFL.
O temor de uma segunda etapa levou a campanha petista a colocar o presidente na TV para falar do escândalo do dossiê na semana passada. O petista admitiu o que não dava para esconder. E falou que não fugiria de suas "responsabilidades". Disse que pediu à Polícia Federal para esclarecer o caso. E despejou dados sobre ações da PF, sempre mostrando que ela teria agido mais na sua gestão do que no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.
Foi uma "vacina" contra o retorno de volumoso noticiário negativo na Rede Globo e a forte subida de tom da propaganda eleitoral da oposição.
Nos últimos discursos, Lula tem adotado retórica inflamada. No final de semana, disse que venceria no primeiro turno. Arrogância pura. E sinal de que está com medo de uma surpresa na segunda fase.
Reconstruir pontes com a oposição
Lula nunca aprovou um projeto importante no Legislativo sem apoio da oposição. A governabilidade de um segundo mandato dependerá de uma coalizão com o PMDB, mas também de alguma distensão do ambiente político em acordo com os principais "vencedores" da oposição.
Lula já estava em campo fazia tempo para tentar um entendimento com José Serra e Aécio Neves, prováveis vencedores nas eleições para o governo paulista e mineiro. O dossiêgate atrapalhou essas negociações, mas o presidente insistirá. Quer costurar com eles uma agenda mínima, que passa pelo fim da reeleição, a reforma política e medidas de austeridade fiscal.
Tais acenos para a oposição não se devem à generosidade de Lula. Uma agenda de conciliação é necessidade mesmo. Questão de sobrevivência. Fundamental para enfraquecer os setores oposicionistas que desejam transformá-lo num novo Nixon.
Imprensa, empresariado e classe média
Como nunca antes, dois brasis vão às urnas com candidatos diferentes. Os mais pobres e menos escolarizados sustentam o favoritismo de Lula. Os mais ricos e mais escolarizados preferem Alckmin.
Se não precisa da classe média, da nata do PIB e tampouco da imprensa para ganhar a eleição, será muito complicado para Lula governar em clima de confronto com esses setores.
Na campanha de TV, o presidente tentou "explicar" à classe média que o Bolsa-Família era mais do que assistencialismo social. Falou em decisões estratégicas que serão sentidas no futuro, como opção por desenvolver os chamados biocombustíveis.
Tudo para melhorar a avaliação do governo nessa faixa do eleitorado. Não colou. A intenção do presidente é tomar decisões que angariem simpatia da mídia e do empresariado. Daí retomar no segundo mandato o tema dos ajuste fiscal, melhoria do gasto público etc. Guinada chavista é apostar na crise. Portanto, descartada pelos principais auxiliares do presidente.
Transplante de alma?
Nas conversas reservadas na ultima semana, além de tremenda irritação com os petistas que se envolveram na compra do dossiê, Lula tem feito um tímido "mea culpa". Chegou a dizer que a informalidade e carinho destinados a amigos que trouxe para o governo foram confundidos com tolerância em relação a desvios. Já ouviu sugestão para fazer uma limpa no Palácio do Planalto, despachando de lá quase toda essa turma num eventual segundo governo.
Um dos principais equívocos do presidente foi se mostrar tolerante com petistas que, segunda suas palavras, "cometeram erros" e deixaram o governo.
Resta saber se Lula fará o que insinua: em entrevista na quinta-feira passada, após a eclosão do escândalo, afagou publicamente os petistas envolvidos no caso, chamando-os de "meninos". Palocci, quando caiu, foi tratado como "irmão". E o ex-tesoureiro citado como "nosso Delúbio"."
Será que Lula se submeterá a um transplante de alma?", indaga um auxiliar direto.
Expectativa de poder
O PT pós-Lula é um incógnita. Desde a redemocratização, ele foi o candidato do partido em todas as eleições presidenciais. Disputará a quinta no próximo domingo. E estará fora da cédula eleitoral em 2010.
Se não deixar claro que seu campo político tem nomes para continuar a representá-lo daqui a quatro anos, verá toda a expectativa de poder se voltar para os tucanos Serra e Aécio. O risco é Lula ganhar e, no dia seguinte, o grosso do establishment pular no colo de Serra.
Por isso, alguns auxiliares dizem que não é absurda a possibilidade de Lula apoiar Aécio em 2010.
O PT terá muita dificuldade para construir um novo candidato a presidente. A ex-prefeita Marta Suplicy encabeça a lista, mas dependerá de uma nomeação para o ministério (o que parece provável), do desempenho nessa eventual pasta e de sucesso se decidir concorrer novamente à Prefeitura de São Paulo em 2008.
O outro nome do campo de Lula é o ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes, que será eleito deputado federal pelo PSB do Ceará. De cara, Ciro é opção para voltar ao primeiro escalão ou concorrer à presidência da Câmara.
Mas gente graúda na cúpula do governo acha que Ciro daria um poderoso vice de Aécio numa chapa que resulte de nova reorganização partidária. Enquanto isso, um PT domado por Lula ficaria fora da chapa principal, numa espécie de quarentena.
Uma união Lula-Aécio-Ciro (PT, Minas, Nordeste) teria boa chance de se contrapor ao eixo de poder que já se forma em torno de Serra (Grande empresariado, São Paulo e mídia).
Nenhum comentário:
Postar um comentário