25 setembro 2006

ENCOLHERAM O PRESIDENTE

Fernando Canzian - Folha de São Paulo

O Brasil de Lula apareceu mal na foto nos principais jornais europeus na semana passada. A tramóia da compra do dossiê e o grande novelo do mensalão foram puxados por quase todos os grandes diários. No britânico "Financial Times" e no espanhol "El País", o brasileiro mereceu páginas inteiras. No "International Herald Tribune", destaque no alto da página dois. O "escândalo do Watergate tropical" estava em toda parte.
Lendo o material à distância, em outra paisagem e contexto, tem-se o seguinte: um presidente latino-americano está envolvido em falcatruas. Isso parece óbvio. Todos os seus homens de confiança e velhos amigos do partido foram afastados pelos escândalos. Vários deles estão encrencados na Justiça. Os jornais registram, mas a justificativa de que Lula não sabia de nada soa inverossímil.
Mas os jornais informam que Lula não só se mantém no cargo como pode ser reeleito no primeiro turno de uma eleição que se aproxima. Pelas reportagens, aprende-se algumas coisas: que a tolerância no Brasil tem outros limites; que o Congresso também é um antro de "bloodsuckers" e "chupasangres"; e que Lula distribui dinheiro do Estado para miseráveis. Isso o torna a "prueba de bombas", como diz o "El País".
Lula já foi melhor tratado. Há pouco mais de três anos, quando assumiu a Presidência, era incensado pela imprensa internacional como representante de uma "esquerda responsável". Prometia cuidar de seus pobres e pagar as dívidas com o mercado.
No início do governo, a ambiciosa agenda da diplomacia de Lula também fez algum barulho no exterior. Usando China e Índia como par de muletas, um Brasil de pernas curtas pleiteou um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mais poder de voto no FMI e concessões dos países ricos na atual rodada comercial da OMC. Havia ainda o enfrentamento com os EUA na Alca e a agenda latino-americana, com ambições de liderança regional.
Nada de prático aconteceu.
Há uma semana, o país foi derrotado no FMI e perdeu poder de voto em uma reforma iniciada pelo Fundo. Na ONU, ninguém parece ouvir o Brasil sobre suas ambições de poder; e os pleitos comerciais fracassaram junto com o resto das negociações da OMC.
A Alca já era, mas os EUA comeram pelas bordas vários dos "hermanos" do Brasil com acordos bilaterais. Na mesma vizinhança, Evo Morales deu um chapéu na Petrobras e a estridência de Hugo Chavez eclipsou Lula. A ex-falida Argentina deve crescer 8% este ano. O Brasil, entre 3% e 3,5%.
Nada surpreendente, apesar da retórica diplomática e das iniciativas "overdosadas". Com um PIB rastejando em relação ao crescimento mundial e dono de uma fatia de 1,5% no comércio global, era previsível que o Brasil não fosse muito longe.
O pior é o que foi feito com a expectativa do mundo em torno de Lula. Sua condição de protótipo de estadista da esquerda moderna deu lugar à de suspeito. Não se trata mais da desconfiança de um calote, mas agora de liderar uma quadrilha na velha "republica das bananas".
Mesmo para quem olha de fora, foi uma grande volta para não se chegar a lugar nenhum.

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