15 novembro 2006

DESVIO DE FUNÇÃO

Dora Kramer

No lugar de se prestar a ser usado de novo por Hugo Chávez, desta vez como cabo eleitoral, o presidente Lula faria um bem à sua biografia e ao destino do segundo mandato se se dedicasse a entender o que se passa de fato no sistema de tráfego aéreo, a fim de fornecer à população a explicação - e, se possível uma solução - que nem a Aeronáutica nem o Ministério da Defesa conseguem dar para os constantes, e pelo visto perenes, atrasos de vôos nos aeroportos dos quais tanto se orgulha.

Se o presidente ainda não percebeu, não se trata de um assunto atinente às necessidades das 'elites'. São negócios adiados, tarefas não cumpridas, urgências canceladas, o turismo prejudicado, milhões de pessoas na condição de verdadeiros reféns de uma crise envolta em mistérios sobre os quais o governo federal não demonstra empenho em lançar luz.

Lula age como se não fosse com ele, como se o assunto não guardasse relação com a gestão governamental, como se o transporte aéreo não fosse uma questão de Estado e de segurança nacional num país das dimensões do Brasil.

As justificativas apresentadas até agora são mais que insuficientes, configuram-se pueris. Por exemplo: se, como diz a Aeronáutica, o problema é de falta de pessoal e de aumento do tráfego aéreo, por que os vôos saíam no horário até 20 dias atrás? O que houve nesse período?

Se a obediência estrita às normas de segurança provoca tal desorganização no serviço é sinal óbvio do, até então, estado permanente de insegurança dos vôos. Sob o gentil patrocínio do poder público.

Com seu destino político resolvido, na primeira etapa da crise, o presidente fez uma reunião, exigiu providências e foi à praia de Aerolula, enquanto milhares se estressavam em aeroportos para viajar no feriado de Finados.

Na segunda, Lula estava no palanque de Chávez esbravejando contra a 'incompreensão e o preconceito' sofridos por ele por parte da imprensa, dos banqueiros, do empresariado e de ex-governantes, no intuito de desenhar identificação e proximidade com seu candidato à eleição presidencial da Venezuela. Candidato a um terceiro mandato, diga-se.

O presidente Lula faria um bem à sua biografia e ao destino de seu segundo mandato - que ficará para o registro da história - se descesse dos palanques, nacionais e internacionais, e dedicasse tempo e atenção ao cotidiano dos brasileiros. De todos, mas principalmente daqueles que o reelegeram acreditando na mistificação publicitária segundo a qual os problemas do Brasil serão todos resolvidos se a oposição deixar o homem trabalhar.

Ao trabalho, portanto.

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