Crise serviu para mostrar que emergentes não estão descolados dos EUA e que Brasil está bem mais resiliente
JANAINA LAGE
DE NOVA YORK
O Brasil deverá se tornar um dos motores da recuperação da economia global, afirma Leonardo Martinez-Diaz, especialista do Instituto Brookings e um dos organizadores do livro "O Brasil como uma superpotência? Entendendo a mudança do papel do Brasil na economia global" (título em tradução livre), recém lançado nos EUA.
Para Martinez-Diaz, o Brasil está posicionado de modo a colher os benefícios da retomada do crescimento mundial, que deverá começar pela Ásia. Confira trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.
FOLHA - No livro, diz-se que muitos especialistas avaliam que o Brasil será um dos indutores da recuperação da economia global. O senhor está entre eles?
LEONARDO MARTINEZ-DIAZ - O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo. Ele tem os ingredientes certos para isso, mas terá de manter as políticas adotadas, especialmente no nível macroeconômico. Considerando que continuem, estou confiante que o Brasil será um dos motores da recuperação.
FOLHA - Como o senhor define hoje uma superpotência?
MARTINEZ-DIAZ - Há duas maneiras de avaliar isso. A primeira é a tradicional, com base apenas em números e, neste caso, o Brasil seria a nona ou décima economia mundial. Em escala, ainda há um grande caminho a percorrer até chegar entre as quatro maiores.
O Goldman Sachs estima que o país precisaria crescer a 4% ao ano até a metade do século para atingir o tamanho de uma superpotência.
A segunda maneira é olhar se o Brasil tem influência para afetar as regras da economia global. E, desse ponto de vista, você pode chamar o Brasil de uma potência em ascensão, muito próximo de uma superpotência, pois ocupa um papel muito importante em mercados de commodities, tem um papel expressivo na OMC [Organização Mundial do Comércio], no G20, um papel em expansão no FMI e no debate sobre mudança climática.
FOLHA - Como a crise está alterando a percepção sobre o país?
MARTINEZ-DIAZ - A crise teve dois efeitos. O primeiro foi mostrar que o Brasil e outros emergentes não estão descolados, independentes dos EUA. Mas o segundo ponto é que o Brasil é muito resiliente, muito mais resistente à crise do que no passado. Além disso, tem uma poderosa base de crescimento dentro do país.
FOLHA - O último ciclo de crescimento foi impulsionado pela demanda de países como China e Índia. Com a mudança de cenário, ainda há espaço para o país crescer?
MARTINEZ-DIAZ - Vivemos um período de condições extraordinárias e raras nos últimos dez anos, entre a crise asiática e a crise atual, com alto crescimento, estabilidade, altos preços de commodities e demanda aquecida. Não vamos voltar a esse período tão cedo.
Agora, avalio que a base de exportações do Brasil é diversificada e não depende apenas dos EUA e da Europa, mas também da demanda da Ásia, da América Latina e de algumas partes da África e do Oriente Médio. A recuperação deve começar primeiro na Ásia. O Brasil está posicionado de modo a tirar vantagens disso. As taxas de crescimento serão menores do que antes, mas haverá crescimento.
FOLHA - Como o senhor analisa a política externa adotada nos últimos anos?
MARTINEZ-DIAZ - A política econômica externa brasileira é resultado de interesses e ideias conflitantes do governo e da sociedade. De um lado você tem políticas que são guiadas em prol de interesses econômicos, com uma pressão muito forte pela abertura de mercados agrícolas. De outro, você tem muita ênfase em acordos no eixo Sul-Sul que não trazem benefícios significativos para o país, não fazem sentido economicamente, mas ajudam a apoiar a visão de que o Brasil tem um papel de liderança entre os países em desenvolvimento.
FOLHA - Politicamente não é uma boa estratégia buscar uma liderança no eixo Sul-Sul?
MARTINEZ-DIAZ - Se isso puder ser traduzido em capacidade de avançar nas negociações de interesse próprio do país, sim. Em alguns casos não está claro que isso esteja acontecendo.
No Mercosul, o Brasil exagerou na descrição dos benefícios do bloco, mas não atacou os problemas. E há insatisfação de países como Uruguai e Paraguai. Há na região alguma suspeita sobre as ambições regionais e globais do Brasil. Podemos ver isso nas recentes tensões com Equador e Bolívia.
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