12 dezembro 2009

LAMENTÁVEL...

Orações não deveriam causar sentimentos ruins. Era para serem sublimes, confortantes, motivadas por amor. Diante delas encontraríamos pessoas cabisbaixas, reflexivas, pensando em Deus e na vida, e sobre como a vida sem Deus fica empobrecida. Ninguém poderia fazer uma oração sem que tivesse a intenção de reconciliar-se com o Senhor ou interceder por alguém em situação de sofrimento. Deveriam ser bem-vindas, curadoras e promotoras de novas atitudes nos corações dos que delas participassem.


Mas as coisas nem sempre são como deveriam ser. A religiosidade sem vida, a espiritualidade desconectada dos relacionamentos e a adoração divorciada dos valores éticos, em nossos dias, roubaram da fé sua relevância, poder transformador e consciência de missão. Os elementos da fé foram instrumentalizados, mecanizados, confundidos com o pragmatismo e o utilitarismo desta geração. Até a oração, feita para ser caminho, terapia, compromisso e renúncia pessoal, virou estratégia, discurso, aparência e legitimação de coisas que deveria confrontar.


De todas as gravações sobre o escândalo do mensalão no Distrito Federal, até agora divulgadas, uma das que mais chamaram à atenção mostra um deputado evangélico orando com outras duas pessoas após uma reunião de acertos políticos. Dentre elas, aquele que foi o principal pivô do aparente esquema de corrupção. A oração pede que ele seja “contemplado nas questões do seu coração”. Agradece pela “bênção” que ele tem sido para tanta gente. Intercede para que seja protegido de “homens malignos” que podem surgir vez em quando no caminho das pessoas “boas”.


Concordo: foi lamentável. Mas não é um fato isolado. Não representa uma situação pontual, particular, exclusiva. É um símbolo da degradação moral e espiritual do chamado “movimento evangélico” que, dentre outros prejuízos ao Reino, vem transformando, há anos, as orações da igreja em meios de solução para problemas individuais. Se a oração serve para a obtenção do desejo pessoal, também há de servir para agradecer o desejo realizado. Independente do modo pelo qual veio a se realizar. A dignidade do processo não incomoda a quem jamais se perguntou pela dignidade do desejo em si.


Quando a oração se resume em instrumento de demanda, dissociado dos desafios da entrega e da obediência, que força terá contra as armadilhas da corrupção e da hipocrisia? Se sua ênfase está no poder de Deus para suprir necessidades, que espaço abrirá para as revelações do amor e do caráter Santo de Deus? C. S. Lewis disse que “jamais devemos nos esforçar para extorquir por maestria aquilo que Deus não dá”. Mas, quem liga? Contanto que consigamos nossos objetivos...


O nobre deputado fez o que acreditou dever fazer. Seu pecado, além de tudo mais, foi esquecer que a oração deveria nos unir a Deus e aos seus propósitos, num “seja feita a tua vontade e não a minha”, como Jesus nos ensinou a dizer. Se não forem assim as nossas orações, não somos tão diferentes desse homem. Exceto pelo fato de ele lucrar com tudo isso, o que certamente não fazemos... Acho que não... Pr. Marcelo Gomes

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