André Petry
A campanha de Lula divulgou na internet, na semana passada, um boletim dizendo que Sophia, filha do tucano Geraldo Alckmin, trabalhou como vendedora numa "empresa acusada de contrabando, a Daslu", e lembrando que Lu, a mulher do candidato, "ganhou de presente 400 vestidinhos chiques". O texto, por fazer referência à filha e à esposa do candidato, foi considerado descabido. Lula teria mandado tirá-lo do ar. Seu coordenador de campanha, Marco Aurélio Garcia, até divulgou uma nota pedindo desculpas e dizendo ser "totalmente inadequado, inapropriado e lamentável lançar mão de ataques pessoais envolvendo os candidatos ou suas famílias". Alckmin aproveitou a onda. Disse que "a notinha mentirosa e ofensiva é mais um exemplo do jogo sujo que esse partido está fazendo".
É curiosa a sucessão de equívocos no episódio.
Primeiro: a notinha não é "mentirosa". Tudo nela é verdadeiro. Sophia trabalhou mesmo na Daslu, e a empresa está sendo investigada por contrabando e sonegação fiscal. A mulher de Alckmin, quando ainda exercia a função de primeira-dama de São Paulo, recebeu mesmo um monte de vestidos de presente de um estilista. Só doou as peças a uma instituição de caridade quando o caso saiu na imprensa.
Segundo: é um erro comparar o caso de Lu com o de sua filha. Acusar Sophia de trabalhar numa empresa suspeita é de uma covardia odiosa. Sophia não era sócia da Daslu. Era empregada. É uma manipulação repulsiva insinuar que um empregado pode ser responsável pelas estripulias do patrão.
Terceiro: denunciar os "400 vestidinhos chiques" de Lu não é baixaria. É dever. Lu recebeu os presentes em razão da função pública que exercia – a de primeira-dama. Se trabalhasse na faxina do Palácio dos Bandeirantes, não os receberia. Portanto, deve responder publicamente por eles. No governo federal, as normas da Comissão de Ética Pública proíbem um servidor de receber presentes que custem mais de 100 reais. Acima disso, tem de devolver ou doar. Nos Estados Unidos, país que inspirou a norma brasileira, o limite é 50 dólares para os servidores e 200 dólares para o presidente.
Quarto: o PT não recuou da acusação por achar que ataques pessoais são "totalmente inadequados". Recuou porque, nesse terreno, Lula tem um imenso telhado de vidro, maior até que o de seu adversário. Marisa Letícia, a primeira-dama, também recebeu de um estilista uma penca de "terninhos, vestidos e tailleurs". Coisa de 30.000 reais. Pior, no entanto, é a situação do filho do presidente, Fábio Luís, o Lulinha. Ele não era empregado de uma empresa acusada de contrabando ou sonegação. Era dono de uma empresa, minúscula, que ganhou mais de 10 milhões de reais de outra empresa, gigante, aliás fiscalizada pelo governo de seu pai. Lulinha enriqueceu.
Sim, é um avanço da política brasileira banir os ataques pessoais, os fuxicos envolvendo familiares. Isso tem dado à política o que muitas vezes parece lhe faltar: dignidade. Mas os vestidinhos de Lu, os terninhos de Marisa e o súbito sucesso de Lulinha não são assuntos pessoais. São assuntos da nossa conta.
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