29 maio 2007

PLANEJAMENTO FAMILIAR

Editorial da Folha de S. Paulo

Programa que distribui mais contraceptivos é positivo, mas controle da gestão do sistema pela Saúde precisa melhorar


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou ontem um novo programa de planejamento familiar que prevê, entre outras medidas, a venda de anticoncepcionais com 90% de desconto em farmácias credenciadas e o aumento da oferta de contraceptivos gratuitos em postos de saúde.

A iniciativa é oportuna. O país talvez enfrentasse hoje menos problemas se tivesse sido mais atento ao problema demográfico no passado. Não parece despropositado relacionar a explosão da violência urbana, a favelização das grandes cidades e outros sintomas do mal-estar social brasileiro, que se acentuaram nos últimos 20 anos, à negligência pretérita das autoridades.

A mentalidade dos militares, que pregavam no poder a ocupação dos vazios demográficos, foi, ao lado da posição histórica da Igreja Católica a respeito dos métodos contraceptivos, um poderoso inibidor de um debate que sem dúvida faltou ao país.

Hoje, a ameaça de uma nova explosão populacional não se coloca, mas o planejamento ainda é importante por permitir que as pessoas exerçam sua sexualidade de forma responsável e sadia.

As altas taxas de fecundidade da mulher brasileira caíram em ritmo quase sem paralelo no mundo. Em 1970, o índice era de 5,8 filhos por representante do sexo feminino. Em 1980, acompanhando o rápido processo de urbanização, caiu para 4,4 e, em 1991, o Censo registrou 2,7 descendentes por brasileira. Em 2000, a taxa já baixara para 2,4 e, em 2004, à marca dos 2,1 filhos por mulher, que é a taxa de reposição -isto é, crescimento zero.

Mas há motivos para inquietação. Mulheres pobres e sem instrução ainda têm muito mais filhos do que as de maior renda e escolaridade. Este segue sendo um poderoso mecanismo de reprodução da miséria.

A receita para combatê-lo é conhecida: informação e acesso aos meios contraceptivos. É justamente isso que o novo programa do Ministério da Saúde pretende proporcionar. Além da ampliação da oferta de métodos anticoncepcionais dentro e fora do SUS -um investimento orçado em R$ 100 milhões-, estão previstas campanhas sobre o tema.
São passos importantes, mas insuficientes. É preciso -e com urgência- tornar a gestão do sistema mais eficaz. Estudo do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp), publicado em novembro de 2006, revela um quadro desolador. O ministério adquire kits com métodos anticoncepcionais e os envia às Secretarias Municipais de Saúde. Nessa primeira etapa, as coisas funcionam. Apenas 4% das secretarias deixaram de recebê-los.

O problema piora no trânsito para as Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde o usuário é atendido. A proporção de UBS que não recebem os contraceptivos sobe para 17%, e chega a 92% no caso de kits com métodos de aplicação mais sofisticada, como DIU e hormônio injetável.
Sem melhorar a gestão, boas iniciativas serão comprometidas pelo desperdício de recursos.

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